Os 130 anos da Proclamação da República
- Fábio Monteiro
- 21 de jul. de 2022
- 8 min de leitura
RESUMO: O presente artigo foi elaborado especialmente para o Portal "Politize!" (14 de fevereiro de 2019) para celebrar a efeméride em torno dos 130 anos da Proclamação da República. Dentre seus propósitos, tem-se tanto uma análise histórica como historiográfica sobre o assunto.

Realizada por Georgina de Albuquerque em 1922, a pintura “Sessão do Conselho de Estado” salienta o protagonismo de Leopoldina e Bonifácio nas articulações políticas do processo de independência do Brasil.
Pela primeira vez em sua História, o Brasil está completando 31 anos de vida democrática marcada pela rotatividade de poder através do exercício do sufrágio universal. Com a Constituição de 1988, também conhecida como “A Cidadã”, o país criou condições para a consolidação do Estado de Direito, apesar de ainda precisar fortalecer o debate público sobre as dimensões dos direitos e da cidadania que praticamos. Discussões como estas, a respeito do Estado de Direito, sufrágio universal e noções de direitos ganharam formas republicanas em 1889. Vamos compreender isso melhor?
UMA ILHA MONÁRQUICA CERCADA DE REPÚBLICAS
A expressão que abre este tópico é bastante recorrente nas interpretações das historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling, cujo livro “Brasil, uma biografia”, lançado em 2015, já se tornou uma referência central nos estudos contemporâneos de nosso país. As autoras salientam que, para se compreender a formação do Estado nacional brasileiro ao longo do século XIX, é preciso ter em mente uma história comparada com a América Latina.
Em outras palavras, os processos de independências da América Portuguesa e Hispânica se desdobraram em função da publicidade dos ideais iluministas, assim como do avanço das tropas napoleônicas sobre a Península Ibérica. Nesse sentido, os ideais liberais de liberdade, republicanismo e federalismo encontraram terrenos mais férteis em solo hispano-americano, pois lá os processos independentistas foram liderados por San Martin e Simon Bolívar que, cada qual a seu tempo, levou adiante a fragmentação territorial com a ascensão de diversas repúblicas autônomas.

A cartografia acima reflete os impactos do ideário republicano sobre a América Latino: a partir da década de 1820, a unidade territorial brasileira é consolidada por uma Monarquia Constitucional, enquanto as nações vizinhas formam repúblicas.
Por outro lado, o processo de independência do Brasil foi levado a cabo pelo filho do rei de Portugal, dom Pedro I que, sob os conselhos ilustrados da imperatriz Leopoldina e de José Bonifácio rompeu com Portugal tendo em vista a manutenção de certos aspectos políticos e econômicos. Dito de outra forma, o processo de independência do Brasil teve início no famoso “Dia do Fico”, em 9 de janeiro de 1822, passou pelo celebrado “Dia do Grito”, em 7 de setembro do mesmo ano e foi concluído em junho de 1823 com as vitórias militares das tropas de Pedro I na quase esquecida Guerra do Jenipapo.
Ao longo desse processo, Leopoldina e Bonifácio, os arquitetos intelectuais e políticos da nascente nação, tinham muitas preocupações em comum, dentre elas: como manter os limites territoriais herdados da colônia e como garantir avanços políticos liberais, mas sem grandes abalos estruturais na sociedade.
A solução encontrada foi a “teoria da dupla-cabeça”, isto é, ao fundar uma Monarquia Constitucional centrada na liderança política de dom Pedro I tinha-se lado a lado, uma Carta Magna inspirada na teoria dos três poderes e um imperador forte e personalista. Assim, convergiam-se diversos interesses no mesmo propósito: a manutenção da estrutura latifundiária, monocultora e escravista sob o signo de um conjunto de leis escritas aliadas a um poder Moderador capaz de arbitrar os conflitos políticos.
Esse contorno histórico que praticamos é fundamental para se compreender como os ideais republicanos só ganharam volume e repercussão social nas elites brasileiros em fins do século XIX. Em outras palavras, o Estado nacional brasileiro ele foi, de fato, construído ao longo dos 67 anos de vida monárquica, tendo como base constitucional da Carta de 1824 - que, diga-se de passagem, foi a carta constitucional mais longeva que o país já teve!
Sendo assim, a proclamação da república no Brasil precisa ser compreendida a partir de dois grandes eventos do Segundo Reinado: o avanço dos movimentos abolicionistas e a eclosão da Guerra do Paraguai. Sendo assim, vamos compreender rapidamente cada um desses acontecimentos.
A CRISE DO IMPÉRIO BRASILEIRO
Nunca é demais relembrar que o Brasil foi o país que recebeu o maior contingente de migração forçada da história da humanidade. A partir dos estudos do historiador Luiz Felipe Alencastro, isso significa dizer que, em três séculos de tráfico negreiro (1550-1850), o país foi o destino de 14900 viagens que para cá trouxeram cerca de cinco milhões de almas africanas escravizadas. Para efeito de comparação, o historiador ainda estima-se, nesse mesmo período, entraram no Brasil cerca de 750 mil portugueses. Ou seja, em cada cem pessoas desembarcadas no Brasil, 86 eram escravizadas africanas e catorze colonos e imigrantes portugueses!
Esses dados nos ajudam a compreender de que maneira o lento e gradual processo de abolição da escravidão mediado pela corte brasileira ao longo da segunda metade do século XIX ameaçava os interesses políticos e econômicos das elites cafeicultoras. Oras, ainda em meados de 1850, a corte brasileira, o Rio de Janeiro, tinha a maior concentração urbana de escravizados existentes no mundo desde o fim do Império Romano: eram cerca de 110 mil escravizados em um universo de 266 mil habitantes.
A abolição da escravidão já havia sido prometida pelo Brasil à Inglaterra desde 1808, quando as frotas inglesas auxiliaram a vinda da Família Real portuguesa para o Brasil. Entretanto, foi somente a partir da década de 1860 que, de fato, os senhores do Legislativo começaram a tomar as rédeas da discussão. E por dois motivos: o primeiro foram os impactos da Guerra de Secessão nos Estados Unidos (1865-1870), pois os políticos brasileiros temiam que por que se sucedesse o mesmo, uma sangrenta guerra étnica e civil no corpo da sociedade.

Publicada em 1870, a charge de Angelo Agostini expressa as contradições em torno da Guerra do Paraguai com os dizeres: “cheio de glória, coberto de louros, depois de ter derramado seu sangue em defesa da pátria e libertado um povo da escravidão, o voluntário volta ao seu país natal para ver sua mãe amarrada a um tronco! Horrível realidade...”
O segundo motivo se mostrava bem mais imediato: os movimentos abolicionistas brasileiros tinham grandes líderes capazes de manejar a opinião pública e levar adiante as causas pela emancipação dos escravizados. Os estudos da cientista social Angela Alonso são bastante esclarecedores a respeito desses “movimentos” dentro do abolicionismo, pois ela identifica que, enquanto Joaquim Nabuco mantinha mais uma atuação diplomática e contida na defesa de um abolicionismo pelas vias legais, André Rebouças dedicava-se mais à produção intelectual e apostava em algo mais radical para a época, uma abolição associada à reforma agrária tendo em vista padrões mais justos de inclusão social para os libertos. Entre ambos, ainda havia a figura pública atuante de José do Patrocínio, um articulador social capaz de realizar festas, eventos teatrais e encontros públicos para conquistar cada vez mais audiência para a causa humanitária.
As lideranças dessas personalidades competiam com o abolicionismo reformista - isto é, lento e gradual pela via das leis - que já estava em marcha desde a proibição do tráfico negreiro, de 1850 e chegando à Lei do Ventre Livre, de 1871. Nesse momento, a Guerra do Paraguai contribuiu para deslocar o apoio político das elites econômicas rumo ao republicanismo. Deixando de lado as causas e o desenvolvimento dessa que foi a maior guerra brasileira, é preciso reconhecer que, além dela desarranjar os fundamentos da escravidão, também trouxe os militares de baixa patente para o primeiro plano político. A publicação do Manifesto Republicano em 1871 passou então a dar um novo sentido político ao país.
A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA
Foi então a partir da década de 1870 que os ideias republicanos começaram a ganhar uma força política capaz de decidir os rumos políticos da nação. Os militares de baixa patente que participaram da Guerra do Paraguai haviam tido contato com as realidades republicanas na região platina. Além disso, somaram às suas insatisfações o ideal romântico de que caberia a eles capitanear uma espécie de salto histórico em direção à Modernidade, isto é, à República. Este “ideal romântico” era algo próprio do Positivismo, uma filosofia francesa que defendia “o amor como princípio, a ordem como base e o progresso como um fim”.
Visto por outro ângulo, o republicanismo no Brasil foi associado à perspectiva histórica positivista, isto é, à crença de que seria possível marchar rumo a uma evolução social, em direção a uma sociedade baseada na liberdade, na igualdade jurídica em um sistema representativo das vontades populares. Esse conjunto de ideais era justamente algo que as elites cafeicultoras gostariam de ouvir naqueles anos finais do século XIX. O federalismo substituiria o carcomido parlamentarismo imperial e permitiria uma nova organização administrativa capaz de dar mais autonomia e poder para “a locomotiva econômica da nação” - a região Centro-Sul era responsável por mais de 60% das exportações do país.
Assim, de maneira retrospectiva, considera-se que a gota d’água que estimulou a proclamação foi a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, em 13 maio de 1888. Isto porque a abolição era sancionada sem garantias sociais, seja aos escravizadores, seja aos escravizados: a sorte de ambos estava lançada. No terceiro livro de sua trilogia “1808, 1822 e 1889”, o historiador Laurentino Gomes chega a estimar que, caso o Império indenizasse os senhores de escravos, seria necessário triplicar o PIB do Império. Isso significa que, diante da ausência de indenização por parte do Império, as elites econômicas rapidamente aderiram ao ideário republicano. Tanto é assim que criou-se a expressão “os republicanos de 14 de maio” para expressar os humores políticos da época.

Realizada por Benedito Calixto dentro dos padrões neoclássicos, a pintura evoca o caráter burocrático da proclamação da República e se esforça em construir uma visão triunfante dos feitos militares.
Em suma, os eventos do dia 15 de novembro de 1889 talvez sejam bem conhecidos, mas vamos revisá-los. Liderados pelo professor de Engenharia da Escola Militar da Praia Vermelha, Benjamin Constant, um grupo de militares de baixa patente recorre à alta patente do Marechal Deodoro da Fonseca tendo em vista a proclamação da república, ou seja, o golpe militar. Deodoro, que era monarquista amigo pessoal de Dom Pedro II e estava adoecido, adere à causa e toma de assalto o poder, enquanto Pedro II recebia as notícias junto da corte na cidade de Petrópolis na região serrana do Rio de Janeiro, onde a Família Real costumava passar mais da metade do ano.
Diante do golpe, o velho dom Pedro II permaneceu hesitante e chegou a receber cartas do irmão de Deodoro, Hermes da Fonseca que à época era governador da Bahia, recomendado que se alojasse em Juiz de Fora, onde tropas seriam organizadas a fim de resistir ao golpe republicano. Entretanto, dom Pedro II cedeu às circunstâncias a fim de evitar o que acreditava que seria um derramamento de sangue. A partir do dia 16 de novembro, uma população composta por mais de 80% de analfabetos despertava sob o signo de um novo regime que historicamente prometia liberdade, igualdade e fraternidade.
CODA: A REPÚBLICA ONTEM E HOJE
Existem diversas maneiras de se ler a história republicana do Brasil. Como exemplo, tem-se o recorte proposto pelo cientista social carioca Sérgio Abranches, para quem estamos vivendo a nossa Terceira República, iniciada em 1988. Sendo assim, teríamos a Primeira República sendo aquela vivida entre a Proclamação e o Governo Vargas, de 1889 a 1930, e a Segunda República, aquela vivida na ascensão da Guerra Fria, entre 1945 e 1964.
Nesse sentido, é preciso destacar que a nossa história republicana foi interrompida por dois regimes autoritários: o Estado Novo, de 1937 a 1945, e a Ditadura Civil-Militar, de 1964 a 1985. Além disso, talvez seja interessante recordar que, desde a Independência, tivemos sete constituições, todas elas bem analisadas no livro “A História das Constituições Brasileiras”, de Marco Antonio Villa.
Por volta de 1900, a nossa capital carioca tinha cerca de 520 mil pessoas e era de longe a nossa grande metrópole – São Paulo tinha modestos 65 mil habitantes. Naquele momento, depois de dois anos de trabalho legislativo, tivemos a promulgação da primeira Constituição republicana em fevereiro de 1891. Dentre as suas novidades republicanas houve:
Separação entre Estado e Igreja;
A implantação do federalismo e do presidencialismo, sendo o mandato presidencial de quatro anos, o dos deputados de três anos e o dos senadores de nove anos;
O sufrágio não era permitido somente para homens maiores de 21, sendo que que analfabetos, mendigos, militares e clérigos eram impedidos de votar. Quanto às mulheres, a Carta Magna não fazia referência a elas;
Hoje o Brasil conta com mais de 147 milhões de eleitores e com uma Carta Magna que chegou aos trinta anos de idade assistindo a dois impeachments e, de acordo com o jurista Oscar Vilhena, apresentando novos desafios, tais como a necessidade de uma reforma fiscal, de uma reforma eleitoral e de mecanismos mais eficientes de transparência nos serviços públicos.
BIBLIOGRAFIA
CALDEIRA, J. História da riqueza no Brasil. RJ: Estação Brasil, 2018
NAPOLITANO, M. História do Brasil independente. Curso disponível no site: http://brasilindependente.weebly.com/roteiro-de-aulas1.html
NICOLAU, J. Eleições no Brasil – do Império aos dias atuais. RJ: Zahar, 2012
SCHWARCZ, L; STARLING, H. Brasil, uma biografia. SP: Cia das Letras, 2015
コメント