A verdade extática e as verdades construídas
- Fábio Monteiro
- 22 de jul. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 5 de out. de 2023
RESUMO: O presente ensaio foi especialmente escrito para o site "Cinemascope" (21/04/2021) para levantar questões a respeito dos filmes documentários como um constructo sociohistórico.

"Lições da escuridão" (1992), de Werner Herzog: uma obra-prima quando nos propomos a debater os desdobramentos da imagem cinematográfica de cariz documental.
Ao lançar Lições da Escuridão (1995),Werner Herzog desenvolveu um conceito para acompanhar o filme: a “verdade extática”, seria então uma forma de contemplação do mundo, um viés de olhar através do qual se teria em vista o sublime; um estado de suspensão dos espectadores de modo que a realidade histórica se tornasse ainda mais real. Ao manipular as fotografias da Chacina da Lapa em Democracia em Vertigem (2019), Petra Costa teria afirmado que estaria pondo em prática a “verdade extática” herzoguiana. Como isso seria possível?
Em suas entrevistas, Herzog conta que durante a realização de Fitzcarraldo (1982) na Amazônia, ele teria acompanhando um grupo de indígenas até um rio detrás da montanha e um líder teria solicitado a ele um recipiente para “levar o rio até a tribo”. Herzog argumentou que aquela seria apenas uma água, ao que o líder teria dito “mas água é água e o rio está contido aqui”. A anedota parece simples, mas de fundo nos remeteria, por exemplo, às tensões argumentativas dos pré-socráticos que se gladiavam para saber as relações entre o todo e a parte. Retomando Lições da Escuridão: o que se vê no filme são imagens extraordinárias, fantasmáticas: nelas não enxergamos coordenadas espaço-temporais. Mas é Iraque, Oriente Médio, fim do século XX. Potencializar o real, desbordar o campo das imagens e tensionar a sua duração seria uma forma mais real de dizer “vivemos na barbárie” do que “o Iraque está em chamas”.
Agora, retomando Democracia em Vertigem. Como se sabe, o filme se propõe francamente como um testemunho pessoal sobre o Brasil Contemporâneo: nele não estamos lidando com questões da ordem do sublime; não recorremos a ele para enfrentar questões estéticas ou de regime filosófico. O seu esforço, ao contrário, é da ordem da política: concordemos com o seu ponto de vista ou não, o filme deve, no mínimo, nos dispor das melhores condições de compreensão das evidências históricas de seus temas.
É disso que trata a pergunta que abre o nosso artigo: como seria possível associar a “verdade extática” de Herzog ao engajamento político de Costa? O excelente artigo “A memória desarmada” de Tiago Coelho traz importantes contribuições ao debate. Mas, ainda assim, creio que as suspeitas permanecem de pé, tal como as provocações almejadas pelos filmes de Werner Herzog.
Palavras-chave: Guzmán; Werzog; Documentário; Cinema; Teoria de cinema;
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